quinta-feira, 10 de novembro de 2011



Falta de Integridade no tempo integral
Por Carlos Fernandes




Digno é o trabalhador de seu salário, mas muitos pastores remunerados tornam-se verdadeiros parasitas de igreja

Sob certos aspectos, pode ser considerado o emprego dos sonhos de muita gente: sem relógio de ponto, com horários flexíveis, bom salário – direto e indireto, já que costuma ser acompanhado de benefícios como auxílio-moradia, convênio médico e previdência privada –, pouca cobrança por resultados e várias mordomias, virar pastor de tempo integral virou o sonho de muita gente. Em igrejas de grande porte, então, o negócio é melhor ainda: com vários cargos à disposição e uma legião (ops, legião, não!) de fiéis voluntários prontos a fazer a obra de Deus por puro diletantismo, o trabalho do ministro do Evangelho limita-se a pregações dominicais, reuniões de gabinete e as inevitáveis celebrações de casamentos e enterros, que, diga-se de passagem, não acontecem todo dia. O resto é tempo livre para “meditar na Palavra”, dedicar-se à vida familiar, praticar esportes e preparar sermões. É verdade que muitos sermões, ultimamente, vêm mais do Google do que de verdadeira inspiração divina, mas deixemos isso para lá.

O fato é que é grande o número de pessoas nas igrejas loucas para ingressar no chamado ministério de tempo integral. A justificativa, na maioria das vezes, é das mais válidas – bíblica, até: afinal, quem aspira ao pastorado, excelente obra almeja, nas palavras de Paulo, o apóstolo (ele mesmo um sujeito que não vivia do ministério, e sim, de sua profissão de artífice, um belo exemplo cada vez menos seguido). Ademais, dizem, sem preocupações com o sustento, o pregador teria mais tempo para dedicar-se ao ministério através de visitas a enfermos e presidiários, evangelismo, ações de natureza social e muitos outros etcéteras. Tudo muito bonito e bem justificado. Acontece que nem sempre a banda toca desse jeito. E o sujeito que um dia sentiu-se chamado por Deus para o sagrado ofício do pastorado acaba virando um burocrata de si mesmo, envolvido com um sem-número de demandas pessoais ou meramente administrativas. Um burguês sem cheiro de ovelha ou barro nos pés, como os pastores de outrora. 

 “Assusta a quantidade de gente querendo se dar bem nos arraiais evangélicos e fazer do púlpito, simplesmente, um meio de vida – boa vida, diga-se de passagem”

Assusta a quantidade de gente querendo se dar bem nos arraiais evangélicos e fazer do púlpito, simplesmente, um meio de vida – boa vida, diga-se de passagem. Mas a praga do parasitismo eclesiástico não se limita às igrejas e seus inchados ministérios; é grande, também, o número de pregadores quixotescos, sem vinculação denominacional, sempre em busca de convites para pregar ou dar testemunho aqui e ali, em troca – claro – de uma ofertinha. Os mais caras-de-pau chegam a distribuir cartões de visita. Na última edição da Expo Cristã, a feira anual de produtos e serviços evangélicos que acontece todo ano em São Paulo, voltei para casa com o bolso cheio de cartões e folhetos onde se lia mais ou menos isso: “Fulano de tal, ministro do Evangelho [ou missionário, obreiro, evangelista]: Curas, libertação, batismo com o Espírito Santo”. Quer dizer que se a gente contratar o cara para um culto em nossa igreja, tudo isso vai acontecer? Então, tá!

OK, a Bíblia diz que o trabalhador é digno de seu salário. E a tradição evangélica já consagrou a figura do ministro de tempo integral, aquele obreiro separado por Deus e reconhecido pela igreja local, a quem cabe sustentar seu líder. Nada contra remuneração, férias, 13º salário e demais auxílios que a igreja possa fornecer ao homem de Deus, é tudo muito justo. Agora, que o pastor esteja realmente disposto e disponível a trabalhar pelo Reino, e não só na igreja local – há inúmeros hospitais, asilos e orfanatos cheios de gente ansiosa por uma oração, uma palavra de conforto e fé. Convenhamos: se a maioria dos trabalhadores tem de dar expediente a semana inteira, com uma ou duas folgas, quando muito, por que tantos pastores e pregadores querem ficar no bem-bom de seus gabinetes refrigerados ou, pior ainda, refestelados na poltrona de casa em plena terça-feira à tarde?

Com o crescimento das igrejas no cenário urbano e a penetração cada vez maior do Evangelho nas classes médias, a tendência a ser evitada é a construção desse tipo de corporação eclesiástica, na qual os líderes ganham muito mas não querem nada com a hora do Brasil. Tempo integral, tudo bem; mas que haja integridade também. Quem quiser moleza, que se candidate ao Congresso Nacional, onde um monte de gente também não faz nada e vive às custas do contribuinte – mas, pelo menos, ninguém lá diz que foi “chamado por Deus”.

Carlos Fernandes é jornalista, produtor editorial e diácono da Igreja Maranata, no Rio de Janeiro.

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