Falta de Integridade no tempo integral
Por Carlos Fernandes
Digno é o trabalhador de seu salário, mas muitos pastores remunerados tornam-se verdadeiros parasitas de igreja
Sob certos aspectos, pode ser
considerado o emprego dos sonhos de muita gente: sem relógio de ponto, com
horários flexíveis, bom salário – direto e indireto, já que costuma ser
acompanhado de benefícios como auxílio-moradia, convênio médico e previdência
privada –, pouca cobrança por resultados e várias mordomias, virar pastor de
tempo integral virou o sonho de muita gente. Em igrejas de grande porte, então,
o negócio é melhor ainda: com vários cargos à disposição e uma legião (ops, legião,
não!) de fiéis voluntários prontos a fazer a obra de Deus por puro
diletantismo, o trabalho do ministro do Evangelho limita-se a pregações
dominicais, reuniões de gabinete e as inevitáveis celebrações de casamentos e
enterros, que, diga-se de passagem, não acontecem todo dia. O resto é tempo
livre para “meditar na Palavra”, dedicar-se à vida familiar, praticar esportes
e preparar sermões. É verdade que muitos sermões, ultimamente, vêm mais do
Google do que de verdadeira inspiração divina, mas deixemos isso para lá.
O fato é que é grande o número de
pessoas nas igrejas loucas para ingressar no chamado ministério de tempo
integral. A justificativa, na maioria das vezes, é das mais válidas – bíblica,
até: afinal, quem aspira ao pastorado, excelente obra almeja, nas palavras de
Paulo, o apóstolo (ele mesmo um sujeito que não vivia do ministério, e sim, de
sua profissão de artífice, um belo exemplo cada vez menos seguido). Ademais,
dizem, sem preocupações com o sustento, o pregador teria mais tempo para dedicar-se
ao ministério através de visitas a enfermos e presidiários, evangelismo, ações
de natureza social e muitos outros etcéteras. Tudo muito bonito e bem
justificado. Acontece que nem sempre a banda toca desse jeito. E o sujeito que
um dia sentiu-se chamado por Deus para o sagrado ofício do pastorado acaba
virando um burocrata de si mesmo, envolvido com um sem-número de demandas
pessoais ou meramente administrativas. Um burguês sem cheiro de ovelha ou barro
nos pés, como os pastores de outrora.
“Assusta a quantidade de gente querendo
se dar bem nos arraiais evangélicos e fazer do púlpito, simplesmente, um meio
de vida – boa vida, diga-se de passagem”
Assusta a quantidade de gente querendo
se dar bem nos arraiais evangélicos e fazer do púlpito, simplesmente, um meio
de vida – boa vida, diga-se de passagem. Mas a praga do parasitismo
eclesiástico não se limita às igrejas e seus inchados ministérios; é grande,
também, o número de pregadores quixotescos, sem vinculação denominacional,
sempre em busca de convites para pregar ou dar testemunho aqui e ali, em troca
– claro – de uma ofertinha. Os mais caras-de-pau chegam a distribuir cartões de
visita. Na última edição da Expo Cristã, a feira anual de produtos e serviços
evangélicos que acontece todo ano em São Paulo, voltei para casa com o bolso
cheio de cartões e folhetos onde se lia mais ou menos isso: “Fulano de tal,
ministro do Evangelho [ou missionário, obreiro, evangelista]: Curas,
libertação, batismo com o Espírito Santo”. Quer dizer que se a gente contratar
o cara para um culto em nossa igreja, tudo isso vai acontecer? Então, tá!
OK, a Bíblia diz que o trabalhador é
digno de seu salário. E a tradição evangélica já consagrou a figura do ministro
de tempo integral, aquele obreiro separado por Deus e reconhecido pela igreja
local, a quem cabe sustentar seu líder. Nada contra remuneração, férias, 13º
salário e demais auxílios que a igreja possa fornecer ao homem de Deus, é tudo
muito justo. Agora, que o pastor esteja realmente disposto e disponível a
trabalhar pelo Reino, e não só na igreja local – há inúmeros hospitais, asilos
e orfanatos cheios de gente ansiosa por uma oração, uma palavra de conforto e
fé. Convenhamos: se a maioria dos trabalhadores tem de dar expediente a semana
inteira, com uma ou duas folgas, quando muito, por que tantos pastores e
pregadores querem ficar no bem-bom de seus gabinetes refrigerados ou, pior
ainda, refestelados na poltrona de casa em plena terça-feira à tarde?
Com o crescimento das igrejas no
cenário urbano e a penetração cada vez maior do Evangelho nas classes médias, a
tendência a ser evitada é a construção desse tipo de corporação eclesiástica,
na qual os líderes ganham muito mas não querem nada com a hora do Brasil. Tempo
integral, tudo bem; mas que haja integridade também. Quem quiser moleza, que se
candidate ao Congresso Nacional, onde um monte de gente também não faz nada e
vive às custas do contribuinte – mas, pelo menos, ninguém lá diz que foi
“chamado por Deus”.
Carlos Fernandes é jornalista, produtor
editorial e diácono da Igreja Maranata, no Rio de Janeiro.
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